As razões por trás do aumento de carros circulando sem placas e a nova "jogada inteligente" para evitar multas

Em maio de 2023, Diego foi parado por um policial em uma blitz de trânsito em Martínez e multado por ter a placa apagada. "Disseram que eu não podia dirigir daquele jeito porque estava em infração e que precisava solicitar uma nova", conta. De acordo com o registro do veículo, ele dirigiria com uma placa temporária por um mês até que as novas estivessem prontas. Em julho de 2025, a entrega das placas do seu carro ainda estava pendente.
As ruas, estradas e rodovias de hoje têm um denominador comum: veículos circulando sem placas ou com placas temporárias de papel. Anos atrás, essa situação ocorria apenas em casos excepcionais, e as substituições não levavam mais do que algumas semanas.
A escassez começou em 2023, durante os últimos meses do governo de Alberto Fernández. Devido a vários problemas na importação de insumos, que já haviam afetado a produção de carteiras de identidade e carteiras de habilitação nacionais, a Casa da Moeda emitiu um comunicado autorizando a circulação com placas de papel "até que as definitivas sejam entregues".
Como os pedidos se acumulavam e as importações eram limitadas em diversos setores, os pedidos de entrega não podiam ser atendidos em tempo hábil. Quando uma placa era solicitada em um cartório de registro de veículos, era emitida uma placa temporária com validade de 30 dias. Se uma placa de substituição não fosse fabricada dentro desse prazo, o prazo poderia ser prorrogado por mais 30 dias, e assim por diante.
Com a escassez não resolvida, a gestão mudou. Javier Milei anunciou o fechamento da Casa de Moneda, a entidade que era, até então, a única autorizada a fornecer placas ao Registro de Veículos Automotores. Um processo de reestruturação teve início ali, gerando mais atrasos e acrescentando novas facetas ao conflito.
"Estou sem placa há 14 meses. Agora, a prorrogação provisória da placa é de 90 dias e, toda vez que expira, tenho que voltar ao cartório para pedir outra prorrogação. Também comprei um carro zero quilômetro, e esse também não tem placa; me deram com uma placa provisória", enfatiza Diego.
Ao mesmo tempo, a demanda está crescendo: dos últimos sete anos, 2025 é o ano com o maior número de registros de veículos. Dados do setor estimam um mercado de mais de 650.000 unidades, com uma média de 50.000 vendas por mês.
Quando somamos as placas solicitadas por roubo, perda ou quebra, a situação se agrava. Após uma solicitação de acesso público à informação enviada pela equipe de Dados do LA NACION, o Ministério da Justiça relatou a emissão de 1.252.923 placas entre janeiro de 2024 e abril de 2025, bem como 408.461 placas provisórias.
Após a decisão de fechar a Casa de Moeda, uma medida tomada pelo Ministério da Justiça destituiu esta entidade como única fornecedora de chapas metálicas. Iniciou-se uma licitação, que terminou em abril deste ano e foi vencida pela Tönnjes Sudamericana. Segundo documentos oficiais, esta empresa é uma parceria entre a empresa alemã Tönnjes MOVERS International GmbH e a Boldt, que também é proprietária do cassino Trillenium em Tigre.
Enquanto o processo de licitação estava em andamento, a Casa da Moeda continuou a produzir em turnos diários triplos para atender aos pedidos pendentes. O governo informa que 5.700 placas (o sistema de identificação alfanumérica) são produzidas diariamente, o que equivale a 11.400 placas para carros, que têm uma placa na frente e outra atrás, e 10.140 placas para motocicletas, que têm apenas uma placa. A entidade, segundo fontes oficiais, continuará entregando até que "os pedidos de compra de placas atuais sejam atendidos".
Segundo o LA NACION, outras 260.000 placas foram emitidas paralelamente após o processo de licitação. Mesmo assim, um total de 350.000 placas permanecem pendentes, segundo estimativas do setor, já que o número de placas pendentes gira em torno de 600.000. Enquanto isso, os pedidos mensais de placas continuam inabaláveis, atrasando a normalização da situação.
Fontes de alto escalão próximas ao setor estimam que o sistema deverá ser regularizado até outubro. Elas também indicam que outro processo de licitação será iniciado para que mais empresas se tornem fornecedoras das placas no futuro. Até que a Casa da Moeda atenda aos pedidos pendentes, ela continuará produzindo e entregando paralelamente às empresas autorizadas.
Sobre a escassez de insumos, que havia sido a principal causa do problema em 2023, fontes oficiais afirmam que o problema "já foi resolvido".
Em meio a essa situação, foi emitida uma resolução para todos os cartórios de registro de veículos da Argentina, limitando o número de placas que podem ser solicitadas por registro de veículo. Desde fevereiro deste ano, cada cartório não pode emitir mais de 104 placas por mês. "Foi feita uma distribuição equitativa. Um cartório recebeu 100% dos pedidos, enquanto outro não recebeu nada. Assim, as placas são distribuídas para atender a todos os pedidos", explicam.
Enquanto isso, o fluxo de carros e motos sem placa continua a crescer. "Ainda não recebi nenhuma resposta. O cartório não sabe quando receberão minha placa", continua Diego. O problema para ele não se limitava a dirigir dentro da Argentina, mas também complicava sua logística para viajar ao Brasil nas férias. Como entrar em outros territórios sem placas tornou-se uma preocupação recorrente.
Os países vizinhos não permitem a entrada de veículos argentinos sem placas de registro , e como a escassez afeta mais de 300.000 usuários, o governo teve que assinar acordos com Brasil, Uruguai, Paraguai, Chile e Bolívia em janeiro passado para permitir a entrada de veículos com placas temporárias.
Os acordos permanecem em vigor, e os usuários que planejam viajar têm acesso prioritário à autorização. O processo é feito pela Direção Nacional de Registros Nacionais de Veículos Motorizados (DNRPA), que emite o certificado correspondente para evitar contratempos no exterior.
"Felizmente, não tive problemas para cruzar a fronteira. Eu tinha toda a papelada necessária e eles não fizeram nem disseram nada para mim", lembra Diego.
No país, as autoridades de fiscalização são notificadas da situação e não aplicam multas por falta de placas nesses casos. Para poder dirigir apesar da falta de placa, os usuários afetados devem afixar o documento de registro temporário emitido pelos cartórios nos para-brisas dianteiro e traseiro . O não cumprimento dessa regra constitui uma infração, cuja multa varia de acordo com a jurisdição.
Segundo relatórios da antiga Agência Nacional de Segurança Rodoviária (ANSV), uma das infrações mais frequentes nos últimos meses foi a circulação de veículos sem placa ou com placa alterada. Acontece que , no contexto da falta de placas, algumas pessoas aproveitaram a situação para retirar suas placas e dirigir sem serem detectadas por radares ou câmeras de controle.
“Sem dúvida, houve um aumento na remoção deliberada de placas. É um fenômeno novo. Anos atrás, os números eram parcialmente cobertos ou as letras alteradas. A ausência completa dessas remoções é algo novo”, observa Fabián Pons, presidente do Observatório Rodoviário Latino-Americano.
A incapacidade de identificar veículos infratores é preocupante, e as perspectivas futuras são ainda mais preocupantes. “Acidentes graves hoje não estão necessariamente ligados à falta de placas, mas se isso continuar aumentando, aumentará a informalidade da frota de veículos e impedirá a detecção de infratores por radar. Essa é uma situação que não deveria existir e é sintoma de uma doença que coloca em risco a segurança viária”, afirma o engenheiro Gustavo Brambati, chefe de Segurança Viária do Centro de Experimentação e Segurança Viária (CESVI).
Pons descreve como as pessoas que removem suas placas "estão dispostas a quebrar as regras" e geralmente são motoristas tentando exceder o limite de velocidade sem serem pegos pelos radares.
Nesse sentido, especialistas ressaltam a necessidade de verificar nos postos de controle de trânsito se a falta de placas se deve a atrasos na entrega ou a uma decisão do motorista de não ter seu veículo identificado.
“Nos postos de controle da polícia, não há nenhuma fiscalização focada em placas. Acho que deveria haver uma política mais rigorosa para que elas sejam verificadas de forma mais eficaz. Há pessoas que sofrem por não ter placa e outras que veem isso como uma oportunidade de dirigir com certa impunidade”, enfatiza Brambati.
E ele conclui: “Como a escassez criou um problema, a forma como foi tratada foi para facilitar a vida de quem não tem e não impor uma política severa a quem não tem . A questão não está sendo vista com a preocupação que deveria. Se crescer e se espalhar, pode se tornar um problema mais sério.”
Hoje em dia, dirigir sem placa acarreta multas severas — mesmo com a dedução de pontos no sistema nacional de pontuação (e a possível suspensão da carteira de habilitação). Se você não tiver placa, deverá dirigir com a placa temporária visível no para-brisa. A dificuldade, no entanto, reside no fato de que câmeras e radares não detectam veículos sem placa visível e, para controlá-los, uma patrulha policial é obrigada a realizar verificações veículo por veículo.
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